domingo, 10 de fevereiro de 2008

Venda-Nova, Pisões e Paradela


- Posso tirar-lhe uma foto?

- E por que me quer tirar uma foto?

- Porque é uma senhora bonita!

- Bonita eu? Já tenho 90 anos! Mas ainda por cá ando. Se não morri até agora se calhar já não morro – gracejou. - Se calhar é por ser ruim… Mas prefiro ser ruim do que mansinha!




Nascida em 1917, o ano das Aparições (e da Revolução Bolchevique), a Ana de Bustelo teve quatro homens e não teve filho algum.

Mas não é o que possam pensar… Eles eram os seus quatro irmãos.

Ao todo eram dez irmãos. Agora apenas cinco estão vivos. Ana vivia para eles e para trabalhar.




- Então a senhora não ia aos bailaricos quando era nova?

- Quais bailaricos! Eu vivia para o trabalho e não fazia mais nada! Toda a gente me pedia, oh Ana isto oh Ana aquilo. Eu era tecedeira, lavradeira, fazia tudo! Ia eu deixar a minha casinha para ir para casa de um qualquer homem que me maltratasse! Homem, em cem, há um!




- E viajar? Já deve conhecer bem estas terras!

- Nunca saí daqui! Nunca fui a Braga nem ao Porto! Em Braga, tenho uma sobrinha a estudar…




Mas vou ao médico a Montalegre. E ele já me disse para parar de trabalhar. Diz que tenho a coluna podre! Mas eu trabalho na mesma, para esquecer as dores. Ainda agora fui levar as vacas do meu sobrinho…



Currais é demais!

Adriano de Currais foi marinheiro da marinha de guerra. Andou no ultramar no tempo da guerra. Mas a guerra não queria nada com os marinheiros! Era uma vidinha santa! Usava, nessa altura, uma barba comprida, porque lha permitiam, e fazia um grande sucesso entre as moças, fossem elas angolanas ou portuguesas.



Conheceu bem a Angola e o enclave de Cabinda e, quando regressou, esteve ancorado uma semana no meio do Tejo, para que se averiguasse se ele ou algum dos seus camaradas trazia de lá alguma maleita.


Depois saiu para o Bairro Alto onde se sentou à mesa dum tasco e logo cinco mulheres o rodearam, fascinadas com a imponente barba do marujo.


Certo Domingo, o Padre de fora rezava a missa na igreja de Currais e, pela característica maneira de falar, usava e abusava do etc. Ele era isto e etc., e aquilo e etc. até que alguém na audiência resolveu interromper-lhe o discurso: “O etc., já se dispensava!”. Fez-se silêncio e ofendido, o Padre abandonou a eucaristia. Por algum tempo, deixou de haver missa em Currais.


Passados alguns anos, um surto de febre-amarela que atormentava todo o Portugal chegava também a Currais. Só nesse ano, cerca de 70 pessoas pereceram em Currais. Houve, então, a necessidade de se chamar o Padre para proceder aos rituais fúnebres. Nessa altura o Padre, ainda ressentido, negou o pedido de ajuda e terá afirmado: “Currais, uma vez e nunca mais!”

A frase perdurou pesadamente sobre a velha aldeia.



Recentemente, num respiro de jovialidade, alguém se lembrou de recriar o dito.

Em Currais há Carnaval, há praia fluvial, há gente simpática e acolhedora, há ar puro e paisagens magníficas.

Currais é demais!




Fotos: Mário e Telmo

Texto: Ricardo


rasto do GPS

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